Deputado que assumiu defesa de outro pacote, articulado pela Procuradoria-Geral da República, afirma que medidas serão analisadas de forma mais efetiva; oposição vê risco de atraso na votação
SERGIO MORAES/REUTERS
O tema do combate à corrupção cabe no discurso de qualquer político, seja ele ético ou corrupto, o que dificulta distinguir entre medidas efetivas e jogo de cena. Essa dúvida surgiu na terça-feira (5), quando veio a público que o presidente interino Michel Temer decidiu retirar a urgência do pacote anticorrupção enviado pela presidente afastada Dilma Rousseff ao Congresso em 2015.
A urgência é um dos modos de tramitação de projetos de lei no Congresso. Propostas urgentes devem ser votadas em até 45 dias na Câmara e mais 45 dias no Senado. Findo o prazo, o texto passa na frente dos demais e impede que outras matérias sejam analisadas até que ele seja votado, ou seja, “tranca a pauta”.
Dilma solicitou que o seu pacote tramitasse em regime de urgência em ofício de 11 de maio deste ano, no mesmo dia em que o Senado realizou a sessão que decidiu por afastar a petista do cargo e dar prosseguimento ao processo de impeachment. Os projetos de lei passaram a trancar a pauta da Câmara em 28 de junho.
Há dois pacotes anticorrupção em debate no Congresso
PACOTE DE DILMA
São três projetos de lei que tornam crime o enriquecimento ilícito de funcionário público e a prática de caixa 2 e permitem bloquear bens de pessoas condenadas em primeira instância. Os textos estavam trancando a pauta da Câmara, junto com outros dois que não versam sobre combate à corrupção.
PACOTE DA PROCURADORIA-GERAL, APOIADO POR 1,5 MILHÃO DE ASSINATURAS
Conhecido por “10 medidas contra a corrupção”, foi articulado pela Procuradoria-Geral da República e consiste em vinte projetos de lei que versam sobrediversos temas, incluindo dois do pacote de Dilma: tornar crime o enriquecimento ilícito de funcionário público e a prática de caixa 2. O projeto foi enviado em março ao Congresso, quando tinha o apoio de 1,5 milhão de assinaturas, e ficou parado por dois meses. Uma comissão especial deve ser criada em agosto, após orecesso branco, e começará a analisar o texto.
Governo Temer
O líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), disse na terça-feira (2) que o governo vai retirar a urgência dos cinco projetos que estavam trancando a pauta, inclusive os três textos anticorrupção enviados por Dilma.
Isso permitirá que o Planalto coloque em votação outros projetos de seu interesse, como o que renegocia as dívidas dos Estados com a União e o que libera a Petrobras de participar da exploração de todos os poços do pré-sal.
Moura, um aliado do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também afirmou que a retirada de urgência permitirá que o pacote anticorrupção de Dilma seja analisado junto com as “10 medidas” propostas pela Procuradoria-Geral da República.
Algumas horas antes do anúncio, Moura e outros líderes da Câmara, da situação e da oposição, haviam se reunido com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que pediu aos deputados empenho para aprovar as “10 medidas”.
O deputado federal Mendes Thame (PV-SP), um dos parlamentares que assumiram a condução do projeto da Procuradoria, apoia a retirada de urgência do pacote de Dilma. Para ele, isso irá aprimorar a análise das propostas anticorrupção na comissão especial sobre as “10 medidas”. “Os projetos são correlatos e é muito lógico que sejam unidos”, diz ele ao Nexo.
“Do que adianta as medidas
da Dilma estarem com
urgência se ninguém faz
nada? A gente quer que se
discuta as 10 medidas, elas
foram abraçadas pela
população, estamos chegando
a 3 milhões de assinaturas, é
natural que tramitem
primeiro”
Mendes Thame
Deputado federal (PV-SP)
Oposição vê manobra
A deputada e líder da minoria Jandira Feghalli (PCdoB-RJ), que participou da reunião dos parlamentares com Janot na terça-feira, disse que a retirada de urgência é um fato “vergonhoso” que revelaria uma articulação entre governo e parlamentares para esvaziar iniciativas anticorrupção.
Feghalli afirma que a retirada de pauta dos textos estaria alinhada ao teor de conversa gravada do senador Romero Jucá (PMDB-RR) em que ele dizia ser necessário um “pacto” para “estancar a sangria” causada pela Lava Jato, à reunião secreta de Temer com Cunha no Palácio do Jaburu e às articulações de Cunha para manter seu mandato.
“O ex-presidente Cunha nunca deixou votar [o projeto anticorrupção de Dilma], e é o Michel que retira a urgência”
Jandira Feghalli
Deputada federal (PC do B-RJ)
Para ela, o melhor cenário seria a Câmara votar com urgência o pacote de Dilma ao mesmo tempo em que analisa as “10 medidas”.
O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), também afirmou ao programa “Bom Dia Brasil”, da TV Globo, que a retirada de urgência “vai atrasar a aprovação daquilo que já poderia ser votado e aprovado em plenário”.
O Nexo perguntou à Procuradoria-Geral da República a opinião do órgão sobre a retirada de urgência dos três projetos enviados por Dilma, mas não houve resposta até a publicação desta reportagem.
Bruno Lupion
Fonte: NEXO